Homenagem ao Professor Carlos Augusto de Figueredo Monteiro, o Cacá

Acabamos de receber o texto de Maria Auxiliadora da Silva e Neide Maria Santos Gonçalves, no qual as professoras do IGEO, emocionadas, homenageiam o professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, destacando suas qualidades como pesquisador e como amigo fraterno.

Juntamo-nos a elas para, além de corroborar suas afirmações, registrar, em nome da instituição, a profunda gratidão pelas contribuições do Prof. Carlos Augusto em diversos âmbitos da Geografia, especialmente sua vasta produção teórico-metodológica.  

O Prof. Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro é um dos grandes pensadores brasileiros da Geografia, sendo a principal referência na área da Climatologia Geográfica, especialmente em questões relacionadas ao ambiente atmosférico urbano, além de agregar importante contribuição à história do pensamento geográfico brasileiro, com instigantes reflexões sobre esse tema em livros e artigos.

Difícil é sintetizar a importância e a vastidão de sua obra. Apenas desejamos ressaltar dois momentos marcantes de seu vínculo acadêmico com a Bahia, sobre os quais ele confessa: “fez crescer meu amor pela Bahia e pelos muitos amigos que conquistei.”

O primeiro diz respeito ao fato de que, na Bahia, entre 1975 e 1987, sua inserção foi marcante. Ministrou a disciplina “Ambiente, Recursos Naturais e Conservação” no 1° Curso de Especialização em Análise Espacial, promovido pelo Departamento de Geografia da UFBA. E ainda prestou assessoria a relevantes projetos da Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia. Simultaneamente, orientou estudos que geraram valiosas publicações, amplamente divulgadas, entre as quais: A compatibilização dos usos do solo e a qualidade ambiental na região central da Bahia, o Atlas Climatológico do Estado da Bahia e Qualidade ambiental do Recôncavo e regiões limítrofes. E ainda foi orientador de doutorado de professores do Departamento que hoje colaboram com a Pós-Graduação em Geografia da UFBA.

Nos anos mais recentes, ele dirigiu seu interesse para a Geografia Cultural, sobretudo na sua linha humanística, buscando relacionar a Geografia à Literatura, em especial, na obra de Guimarães Rosa, de quem é admirador. Neste contexto, a coletânea O Mapa e a Trama: ensaios sobre o conteúdo geográfico em criações romanescas, editada pela Editora da UFSC (2002), apresenta uma série de trabalhos produzidos sobre esse tema, no Brasil e no Japão. Em continuidade a essa linha de pesquisa, tem produzido ensaios e realizado palestras que incluem, também, a relação entre ciência e arte. E esse interesse é o segundo vínculo que queremos destacar do emérito professor com a Bahia, especialmente com a UFBA, pelo desenvolvimento, no IGEO, de uma linha de pesquisa inicialmente denominada Geografia e Literatura, em seguida ampliada para Geografia e Arte, integrada por um grupo de alunos e professores, onde se destaca a liderança da professora Maria Auxiliadora da Silva. Vale lembrar que, em um de seus relatos, ele declara: “Ao finalizar este depoimento não posso deixar de ressaltar o grande prazer que é relacionar-me com a terra e a gente baianas e o orgulho em relembrar que elas exerceram um importante papel na minha aprendizagem da Geografia.”

No âmbito de sua produção científico-literária, a singularidade e a relevância de sua obra retratam seu perfil de intelectual pleno, sua visão de mundo comprometida e sua refinada capacidade de relacionar a ciência geográfica com outros ramos do saber – filosofia, psicologia, biologia, literatura, dentre outros –, comprovando a propriedade e o poder heurístico do trabalho interdisciplinar e transdisciplinar..

Essa é nossa homenagem ao professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, que recentemente nos deixou, mas nos legou, além de sua ciência, um exemplo de vida dedicada à produção do conhecimento.

Coordenação da Pós-Graduação em Geografia

 

AO PROFESSOR CARLOS AUGUSTO DE FIGUEIREDO MONTEIRO

Maria Auxiliadora da Silva

 Neide Maria Santos Gonçalves

 

Na medida em que vivemos – acreditávamos –, íamos nos acostumando com a tristeza pelas inúmeras perdas ao longo da vida...  Mas a partida do Professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro[1], mostrou que estamos erradas. Estão doendo muito em nós a tristeza e a falta que dele sentimos...

Homem íntegro, sério, honesto, corajoso e sensível, Professor Carlos Augusto sabia e cultivava como poucos o valor da amizade. E ele a semeou entre nós, entre todos que amam e vivem a Geografia em vários espaços acadêmicos deste país. Temos a certeza de que o grande geógrafo e cientista internacional vai continuar influenciando seus admiradores e aqueles que, como nós, sempre nos sentimos abraçadas por seu afeto, seu carinho, sua sabedoria. E fomos também agraciadas a apreciar seu humor discreto e inteligente.

Na grande festa comemorativa de seus 90 anos, sob a liderança da Professora Maria Adélia Aparecida de Sousa, em Campinas, todo o Brasil estava representado, e seus amigos mais próximos se serviram da oportunidade para abraçá-lo. Foi como uma despedida antecipada, pois, nos anos seguintes, a pandemia nos privou de outras comemorações. Mas continuamos a falar com ele de vez em quando, especialmente às quintas-feiras, ligando para a casa de Maria Adélia, onde ele sempre passava o dia. Era sempre uma alegria para ele receber notícias da Bahia, que ele tanto amava. Entre nós, vale destacar que o recente curso de extensão, Geografia e Arte, patrocinado pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA, é dedicado a nosso amado professor, que felizmente, ainda teve tempo de tomar conhecimento dessa homenagem.

Não vamos falar do que todos já sabem: a riqueza do percurso de sua vida profissional, seus livros e artigos, onde as reflexões e os ensinamentos eram múltiplos. Mas é importante lembrar e destacar seu último livro, uma preciosidade, inclusive pelo delicado título: A Geografia neste agora e num certo outrora, publicado pela Universidade de Santa Catarina em 2020, com apresentação da professora Maria Adélia Aparecida de Sousa.

Para lembrá-lo agora, ouçamos sua fala, no prefácio ao livro Visões imaginarias da cidade da Bahia (2004). Inicialmente, ao se referir à cidade de Salvador como objeto de estudo do grupo baiano dedicado a Geografia e Literatura, ele diz:

E o que dizer da Cidade do Salvador, nossa primeira capital? Nela estão imbricadas desde a complexidade da geomorfologia do sítio sobre o qual se implanta, passando por uma evolução histórica ao longo de todo o nosso passado, onde a evolução morfológica reflete o ritmo das variações socioeconômicas, acrescida do cadinho cultural de uma etnicidade enriquecida de africanidade o que lhe confere um caráter muito especial, constituindo-se num expressivo símbolo de brasilidade.

E ainda, sobre os estudos de Geografia e Arte:

Nesta virada de séculos, em plena travessia da grande crise histórica que afeta o mundo globalizado nas comunicações e desequilibrado no desenvolvimento econômico é natural que se multipliquem as tendências e a geração de propostas de Novas Geografias.  Mas estou entre aqueles que consideram mais do que justificável e pertinente um direcionamento de nossa ciência para o viés da cultura, propiciando a construção de um novo humanismo tão necessário a acompanhar, junto com a elaboração de um novo conhecimento e uma nova razão, compondo aquele trinômio básico da instauração de uma nova modernidade.

Para finalizar esta singela homenagem a nosso perene professor, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, fazemos nossas as palavras de Mitterrand:

Les souvenirs, c’est comme les rides, ça ne s’efface pas

(François Mitterrand, L’Express, 25.11.1988).

 

Prof.ª Maria Auxiliadora da Silva

 Prof.ª Neyde Maria Santos Gonçalves

Julho, 2022



[1] Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.